CARF Reconhece a Licitude de Planejamento Tributário com Segregação de Atividades
Em importante decisão proferida no âmbito do Processo nº 16327.720247/2015-11, a 1ª Turma da 3ª Câmara da 1ª Seção do CARF (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) reconheceu a validade de um planejamento tributário baseado na segregação de atividades empresariais.
PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIOTRIBUTÁRIO
Victor Hugo Abreu
5/12/20253 min read


O Caso Concreto: Atacadista e Transportadora em Estruturas Distintas
No processo nº 10120.740230/2022-16, o CARF analisou a situação de uma empresa do ramo atacadista que constituiu uma nova empresa transportadora, optante pelo lucro presumido, para executar sua logística. A Receita Federal entendeu que a reorganização visava unicamente à redução da carga tributária, desconsiderando sua validade e lavrando auto de infração.
Contudo, a 1ª Turma da 4ª Câmara da 1ª Seção do CARF afastou a acusação de simulação e reconheceu a licitude da reorganização, considerando que:
As atividades da atacadista e da transportadora são distintas;
A transportadora prestava serviços também a terceiros, evidenciando propósito negocial;
Não se verificou qualquer elemento de dissimulação ou artificialidade;
A segregação operacional, conhecida como split strategy, foi considerada legítima e conforme a liberdade de auto-organização empresarial.
O relator, conselheiro Fernando Augusto Carvalho de Souza, pontuou em seu voto:
“No presente caso, não sendo o propósito negocial um requisito essencial e não se verificando qualquer ato dissimulado praticado pela Recorrente que provocasse a sua desconsideração, entendo que a segregação operacional das atividades (split strategy), promovida pela Recorrente, foi legal, dentro da vasta possibilidade de se auto-organizar.”
Ementa do Julgado
"PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO. IDENTIFICAÇÃO DE PROPÓSITO NEGOCIAL. ABUSO DE DIREITO. INEXISTÊNCIA. A abertura de pessoa jurídica, com autonomia financeira e operacional, para realizar processo produtivo complementar, não configura planejamento tributário abusivo, desde que não identificadas hipóteses de simulação, dissimulação, dolo ou fraude à lei, ainda que desta reorganização empresarial decorra economia tributária, porquanto identificado também diverso propósito negocial.”
Requisitos para Validação da Segregação de Atividades
Conforme destaca Leonardo Lucci ¹, para que o planejamento tributário por segregação seja aceito e não seja autuado pelo Fisco, é essencial que haja elementos concretos de autonomia entre as empresas envolvidas. Dentre os principais critérios destacam-se:
Estruturas societárias distintas, com personalidades jurídicas próprias;
Segregação não artificial das atividades, com operações reais e a preços de mercado;
Clientes distintos e independentes;
Estabelecimentos comerciais separados, com endereços próprios;
Ausência de compartilhamento de estruturas administrativas (salvo por contrato formal de rateio);
Quadro de funcionários autônomo em cada empresa;
Sócios e administradores distintos;
Contabilidade e controles financeiros independentes;
Mútuos formalizados, com cláusulas de mercado e efetiva execução;
Marcas, identidade visual e posicionamento comercial independentes.
Reflexos Práticos para Empresas
Essa decisão do CARF fortalece o direito das empresas de estruturar suas operações com eficiência e legalidade, sem que isso implique, automaticamente, presunção de evasão fiscal. Planejamentos como esse são comuns em estruturas organizacionais complexas, visando à redução de riscos, maior especialização e aproveitamento das vantagens fiscais dentro dos limites legais.
Com esse precedente, reforça-se a importância da documentação adequada, da substância econômica real e da existência de propósito negocial, a fim de garantir a validade da estrutura frente a eventuais questionamentos do Fisco.
Considerações Finais
A aceitação, pelo CARF, do planejamento tributário por segregação de atividades demonstra um amadurecimento na jurisprudência administrativa fiscal brasileira. A legalidade da reorganização empresarial, quando pautada pela boa-fé e finalidades econômicas legítimas, deve ser respeitada pelo poder de fiscalização, evitando-se interpretações arbitrárias que desestimulem a livre iniciativa e a eficiência empresarial.
Trata-se, portanto, de uma decisão paradigmática que valoriza a segurança jurídica, a autonomia empresarial e o direito do contribuinte de pagar o tributo que efetivamente lhe é devido — e não mais do que isso.
¹ https://www.conjur.com.br/2024-out-23/riscos-tributarios-na-segregacao-de-atividades/