STJ Valida Distribuição de Dividendos com Base em Dias Trabalhados: Marco para Autonomia Contratual nas Sociedades

A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu a validade de alteração no contrato social de uma sociedade empresária que passou a distribuir dividendos com base nos dias efetivamente trabalhados pelos sócios, em vez de adotar exclusivamente a proporção das quotas do capital social. A decisão reflete a valoração da autonomia privada e da liberdade de auto-organização societária, desde que não haja exclusão abusiva ou desproporcional de algum sócio da participação nos resultados.

SOCIETÁRIO

Victor Hugo Abreu

5/19/20252 min read

Contexto Fático e Controvérsia

A controvérsia surgiu em uma empresa de gestão empresarial e consultoria, quando, em 2012, os sócios deliberaram que a distribuição dos lucros passaria a ser proporcional aos dias de trabalho prestados por cada sócio, e não mais à participação societária. A deliberação foi ratificada em assembleia no ano seguinte, com apenas uma sócia minoritária votando contra.

A referida sócia ajuizou ação alegando que a nova regra representou sua exclusão da sociedade e a supressão de seu direito aos lucros. Segundo ela, havia um acordo informal para que comparecesse apenas dois dias por semana e recebesse 20% da receita líquida. Com a alteração, ela teria que comparecer três vezes por semana para fazer jus a 7% do faturamento global da empresa.

Os demais sócios defenderam que a mudança foi necessária para reestruturar a empresa e tornar a distribuição mais equânime, evitando que sócios inativos recebessem montantes desproporcionais à sua colaboração efetiva.

Fundamentos da Decisão

O Tribunal de Justiça de São Paulo validou a deliberação da maioria, afirmando que a autora não foi excluída da participação nos lucros, mas deixou de receber por sua inércia e ausência de contribuição efetiva.

Ao analisar o recurso especial (REsp 2.053.655), o relator ministro Raul Araújo esclareceu que:

  • A regra geral do art. 1.007 do Código Civil prevê a distribuição de lucros na proporção das quotas;

  • Contudo, os sócios podem convencionar outra forma de distribuição, desde que não haja exclusão absoluta de nenhum integrante;

  • Não é desarrazoado nem leonino atrelar a participação nos lucros aos dias efetivamente trabalhados, especialmente em sociedades de pequeno porte e voltadas à prestação de serviços;

  • Não houve renúncia forçada nem prejuízo desproporcional.

Reflexos para a Autonomia Contratual e Segurança Jurídica

A decisão do STJ confere segurança jurídica à autonomia privada, permitindo que os sócios estipulem, por via contratual ou deliberativa, critrérios objetivos para o rateio dos resultados, desde que respeitados os limites legais e o princípio da igualdade.

Para sociedades que prestam serviços intelectuais, como clínicas, escritórios de advocacia ou consultorias, a distribuição proporcional à contribuição individual dos sócios pode refletir melhor a realidade econômica e fomentar o engajamento e a equidade interna.

Considerações Práticas para Empresários e Advogados

Empresas interessadas em adotar modelos alternativos de distribuição devem:

  • Registrar a previsão no contrato social ou em ata de assembleia;

  • Garantir critrérios objetivos e transparentes (dias trabalhados, metas, produtividade);

  • Resguardar o direito mínimo de participação nos lucros de todos os sócios, conforme o art. 1.008 do CC;

  • Documentar formalmente os acordos e atualizar os registros societários.

Conclusão

A decisão da 4ª Turma do STJ é um precedente relevante para a interpretação do Direito Societário contemporâneo, reconhecendo a validade de modelos de distribuição de lucros mais aderentes à realidade operacional das empresas. Desde que respeitados os direitos fundamentais dos sócios, o critério de proporcionalidade ao trabalho efetivo é válido, justo e juridicamente amparado.